Morreu ontem o neurologista Oliver Sacks, aos 82 anos, em sua casa no Brooklyn, bairro de Nova Iorque.
Sacks sabia que estava próximo da morte desde o mês de fevereiro, quando escreveu um artigo no New York Times (em inglês) sobre sua morte iminente. Em 2006, Sacks sofreu com um câncer nos olhos que teve metástase no fígado e no cérebro nove anos depois, em 2015.
“Eu não posso fingir que não esteja sentindo medo”, escreveu na ocasião. “Mas meu sentimento predominante é de gratidão. Eu amei e fui amado; muito me foi dado e eu pude dar algo em retorno; eu li e viajei e refleti e escrevi. Eu tive uma relação com o mundo, a relação especial entre leitores e escritores”.
Ele está longe de exagerar: ao longo de sua vida, publicou 13 livros cobrindo assuntos tão diversos como as diferentes causas e os sintomas que compõem a enxaqueca (em Enxaqueca, de 1970), sobre a visão de mundo e a construção da identidade de pacientes com uma série de deficiências mentais (em O Homem Que Confundiu Sua Mulher com Um Chapéu, de 1985) e sobre o tratamento a pacientes com encefalite letárgica num hospital do Bronx em Nova Iorque em 1960 (em Tempo de Despertar, de 1973).
Esse último livro relata sua mais famosa contribuição ao ramo da neurociência. A encefalite letárgica, também conhecida como doença europeia do sono, é conhecida por causar letargia e uma série de danos ao tecido cerebral semelhantes àqueles causados pelo mal de Parkinson.
Sacks ajudou a tratar pacientes que sofriam da doença por décadas com um remédio a base de dopamina, hormônio que regula as emoções e o humor, além do movimento e da cognição, devolvendo-os o movimento e a lucidez – mesmo que os efeitos da droga tenham passado em pouco tempo. Essa história foi adaptada para os cinemas em 1990, em filme com atuações de Robin Williams e Robert De Niro.
Seu mais recente livro foi a biografia Sempre em Movimento, lançada em 2015. Nela, Sacks conta detalhes da sua vida pessoal que sempre foram mantidos em discrição, como a sua homossexualidade e apaixonar-se aos 77 anos, suas viagens e aventuras que o deixaram próximo da morte como quando quebrou a perna fazendo montanhismo sozinho aos 41 anos, abuso de drogas alucinógenas e seu relacionamento com a família.
O livro também trata sobre sua paixão por motocicletas – aspecto tão importante da sua vida que o nome do livro em inglês (On The Move) é o título de um poema sobre Sacks pelo poeta e seu amigo Thom Gunn. No poema, Gunn glorifica o espírito dos motoqueiros, comparando-os com pássaros em seu instinto e descrevendo o choque dos cidadãos quando passavam.
Sacks conta no livro que aos dezoito anos, trocou o carro Standard 1934 que tinha ganhado dos pais por uma motocicleta BSA Bantam de segunda mão. O tiro saiu pela culatra: quando foi testar a motocicleta, o cabo do acelerador travou e o freio não conseguia pará-la. Rodou até que o tanque de gasolina secou. Então Sacks convenceu seus pais a darem dinheiro para comprar uma Norton de 250 cilindradas, a primeira de várias motos de alta potência que teve.
Esse vício em duas rodas era, assim como a medicina, hereditário: seu pai também era médico e antes da Segunda Guerra Mundial, pilotava uma Scott Flying Squirrel, que “fazia um barulho que parecia um grito”, descreve no livro. Sacks gostava de sentar à janela da sua casa em Londres para assistir e tentar identificar as motos que passavam. “Eu sabia identificar umas doze marcas ou mais: AJS, Triumph, BSA, Norton, Matchless, Vincent, Velocette, Ariel e Sunbeam, além de motos estrangeiras mais raras, como BMWs e Indians”.
Conta também que não era fã de apostar corridas, mas participava frequentemente de rachas. Isso significa, claro, que Sacks também sofreu sua cota de acidentes: uma vez, perdeu o momento da freada para um sinal vermelho e passou reto entre o tráfego que cruzava nos dois sentidos, desmaiando um minuto depois como reação. Outra vez conta que o farol alto de um carro em sentido oposto o cegou e saltou da moto por achar que iria colidir de frente. Felizmente, nada aconteceu – apenas deslizou na pista por cerca de 20 metros, mas não se machucou por estar usando equipamento adequado e roupas grossas.
Sacks era aficionado na cultura entorno das motocicletas e gostava de andar em grupos de motoqueiros. Isso até causou uma situação engraçada: certa vez andando por San Francisco, encontrou um grupo de motoqueiros tomando cerveja e fumando. Sacks aproximou-se, mas percebeu um pouco tarde que eram os Hells Angels, grupo conhecido por sua tendência a atividades ilegais e pelo uso da violência. Os Angels ficaram intrigados com Sacks e o aceitaram no seu grupo sem nenhum ritual – pelo fato de ele ser médico e poder auxiliar quando alguém se machucava.. Embora diga no livro que nunca cometeu nenhum ato ilícito, Sacks pertenceu ao grupo até ir embora de San Francisco, um ano depois.
Longe de ser um estereótipo, Oliver Sacks viveu a sua vida de maneira plena e apaixonada. Neurologista, escritor, viciado em drogas, motoqueiro rebelde, amante, aventureiro. “Acima de tudo, eu fui um ser senciente, um animal pensante, nesse planeta maravilhoso, e isso por si foi um privilégio e uma aventura enormes”.